PERGUNTAS e RESPOSTAS:
– O senhor poderia explicar um pouco sobre essas doenças desconhecidas da modernidade (pode ser sobre uma ou outra que o senhor tenha mais conhecimento). Pode ser da lista que eu passei ou de outra que seja pouco falada.
As “doenças da modernidade” devem ser olhadas com cuidado. Doença é a presença de uma disfunção/deficiência levando a um desequilíbrio na saúde de uma pessoa. Não se pode confundir o hábito de malhar diariamente com vigorexia, ou dizer que uma pessoa que necessite de um smartphone para trabalhar seja portador de nomofobia. Tudo depende do quanto aquela atividade ou condição está prejudicando a saude plena da pessoa, seja na sua parte social, profissional ou pessoal. E isso é difícil de quantificar.
Porém, exageros como trocar a maioria das atividades da vida (lazer, profissão, família e amigos) apenas pela academia, por conta de um medo irracional de ser “fraco” ou “pequeno”, aponta para algum desvio e sofrimento. Assim como deixar de participar dessas mesmas atividades para estar conectado o tempo todo a “rede” parece algo diferente do normal.
Na verdade essas novas condições são muito semelhantes a transtornos já descritos anteriormente, mas envoltos por uma “capa”, ou uma “máscara” da atualidade. O que está por trás dessas condições é a reação intensa de ansiedade e preocupação caso, por exemplo, a pessoa perca massa muscular (vigorexia), perca o celular (nomofobia) ou fique “desligado da rede” (FOMO – fearing of missing out). Isto ocorre da mesma forma com os portadores do já bem conhecido TOC (transtorno obsessivo-compulsivo) que aliviam sua ansiedade com atitudes estranhas perante pensamentos desagradáveis incontroláveis que surgem a mente.
– O senhor pode dar exemplos de pacientes já tratados pelo senhor?
Lembro de um paciente que passava horas jogando um game no computador. Ficava tanto tempo concentrado ali que passou a não se importar mais com seus amigos, com seus estudos, com sua família, até parar de se importar consigo mesmo, não tomando banho mais e nem dormindo mais. Criou-se então uma dependência ao game semelhante a dependência a alguma droga
– Como podemos chamar esses transtornos, para não cometermos erros? Doenças mentais? Elas já estão catalogadas nos livros?
Caso a alteração comportamental presente esteja trazendo prejuízo à pessoa em qualquer esfera da vida chamamos essa alteração de transtorno mental.
A vigorexia está catalogada como Transtorno Dismórfico Corporal nos manuais diagnósticos mais utilizados (DSM-V e CID-10), sendo que no DSM-V há a possibilidade de especificação “com dismorfia muscular” referindo-se a preocupação de ter uma estrutura corporal pequena ou insuficientemente musculosa. A síndrome de burn out aparece no CID-10 com outras denominações, como esgotamento, ou problemas relacionados ao emprego.
– Estamos num momento em que tudo avança em velocidade relâmpago, essas doenças acompanham a evolução dos tempos? Estão surgindo numa velocidade muito maior do que antigamente?
Durante a evolução dos tempos percebeu-se diversas mudanças nos padrões das doenças físicas e mentais. Algumas delas até se extinguiram, enquanto que outras surgiram. Estas mudanças estão intimamente ligadas às diferentes realidades vividas pelas pessoas em diferentes épocas. Ou seja, é difícil se falar em obesidade num momento onde há escassez de comida, assim como se falar em “nomofobia” num tempo onde não existia celular. Mas, apesar do “surgimento” dessa novas doenças, a reação de intensa ansiedade vivida por uma pessoa nessas condições já é conhecida. A vigorexia talvez seja fruto de uma ansiedade extrema em se atingir o ideal de beleza atual. Acontece que o conceito de beleza varia no tempo, trazendo “novas caras” ao mesmo problema.
Talvez devido ao modelo de vida atual seguido pela maioria das pessoas, de alta competitividade e alta carga de estresse, associado a evolução do conhecimento nas neurociências e ao maior acesso da população à saúde, estes transtornos estão sendo cada vez mais identificados.
– Existe um perfil? Faixa etária? Mais mulheres ou homens?
Isso depende de cada transtorno. Mulheres tendem a se preocupar mais com a própria imagem, mas parece que os homens, entre 18 e 35 anos, são mais afetados pela vigorexia. Já a nomofobia está mais prevalente entre os jovens, tanto em homens como mulheres.
– Tem diferenças entre países ou regiões? Os brasileiros são acometidos, por exemplo, por que doença? E mais especificamente o Rio de Janeiro?
Podem existir diferenças na prevalência e na forma de apresentação desses transtornos porque a realidade e o meio ambiente de cada pessoa será diferente dependendo do local em que vive. Já ouvi estudos dizendo que “o brasileiro é mais feliz”, baseado na abundância de recursos e falta de catástrofes naturais, enquanto que outros apontam maiores taxas de suicídio em países nórdicos, talvez pela falta de luminosidade nessa região ao longo do ano. Mas são todas apenas teorias e com escasso respaldo científico.
Olhando por um outro lado, numa sociedade onde o contato pessoal direto é valorizado, dificilmente uma pessoa desenvolverá “FOMO”, pois sua atenção estará focada em quem está a sua volta, naquele momento, e não em contatos virtuais.
– Antigamente, ouvimos falar de doenças mentais com origem genética, como esquizofrenia, por exemplo. Hoje, me parece que as doenças tem origem nos hábitos. Isso é verdade ou é só uma impressão? Há uma mudança de padrão?
Os transtornos mentais possuem origem genética e ambiental. Alguns transtornos são muito influenciados pelos nossos hábitos, estilos de vida e experiências. Assim, em tempos de maior dificuldade, pressão e estresse, pode-se observar aumento desses transtornos na sociedade.
– Quando elas começaram a surgir?
Depende do transtorno. Geralmente nos adultos jovens.
– Qual é a parcela da população que é realmente atingida por essas síndromes modernas?
Como ainda não há um consenso a respeito de como realizar o diagnóstico dessas novas síndromes é difícil precisar algum número.
– Por que elas estão ficando mais populares? É muita informação? Não conseguimos acompanhar? A tendência é estabilizar ou piorar?
Acredito que a facilidade de informação tem alertado cada vez mais às pessoas a respeito dos prejuízos de qualquer tipo de excesso e exagero.
O modo de vida atual da maioria das pessoas envolve muito trabalho, muitas preocupações, estresse e pouco espaço para relaxar e aproveitar o tempo livre. Isso aumenta o risco do desenvolvimento de transtornos mentais .
Há uma tendência de crescimento no número de pessoas acometidas por transtornos mentais.
– Como manter o equilíbrio e não virar hipocondríaco, achando que você tem todas essas doenças?
O melhor jeito de combater essas condições é manter uma vida equilibrada, distribuindo bem o tempo nas diversas atividades da vida. Reservar espaço tanto para o trabalho, como para lazer e família, por exemplo, pensando em maneiras de escapar do estresse e da pressão. Dessa forma, evitando exageros e mantendo bons hábitos, como boa alimentação e atividade física, podemos tentar fugir da maré de “fobias”que corre por aí.